U
ma investigação recentemente publicada na revista científica Psychoneuroendocrinology sugere que indivíduos cuja infância foi marcada por experiências adversas, ou seja, eventos potencialmente traumáticos que tenham ocorrido antes da idade adulta, têm uma tendência acrescida para sofrerem por envelhecimento biológico precoce comparativamente a outras pessoas da mesma idade. Por outras palavras, indivíduos que partilham o mesmo ano de nascimento podem encontrar-se em etapas diferentes de envelhecimento dependendo das suas experiências em criança. Uma infância mais traumática poderá estar associada a danos e perda de função precoce de células, tecidos e órgãos.
As experiências consideradas adversas pelos investigadores variam desde abuso e negligência a testemunhar violência do parceiro íntimo, uma doença psiquiátrica de um membro da família, a morte ou doença grave dos pais ou até o seu divórcio ou separação.
Não é novidade que pessoas expostas a este tipo de experiências durante a sua infância estão mais propensas a sofrer de doenças crónicas e a terem uma vida útil mais curta, no entanto a pesquisa em causa foi pioneira no que toca a compreender os efeitos destas experiências no envelhecimento biológico dos indivíduos. Os autores do novo estudo tinham como principal objetivo perceber se este processo de envelhecimento acelerado poderia ajudar a explicar a relação entre a ocorrência das ditas experiências adversas e os maus resultados no campo da saúde obtidos mais à frente durante a vida de cada indivíduo.
“Este trabalho foi parte de um esforço de equipa liderado pela Dra. Dawn Bowdish, da Universidade McMaster, para compreender melhor os fatores que influenciam as trajetórias de saúde dos indivíduos ao longo das suas vidas”, explicou, de acordo com a PsyPost, um dos autores, investigador na Health Sciences North Research Institute e professor assistente da McMaster University e da Northern Ontario School of Medicine, Chris Verschoor. “Estou interessado nos determinantes da saúde e imunidade dos idosos, particularmente na forma como se cruzam com a biologia de uma pessoa. Este estudo forneceu uma oportunidade única para quantificar como diferentes formas de adversidade no início da vida afetam a ‘idade biológica’ de uma pessoa 30 a 60 anos depois”, acrescentou.
O estudo contou com dados do Canadian Longitudinal Study on Aging, um estudo de longo prazo sobre o desenvolvimento e envelhecimento de adultos, que inclui informações de cerca de 50 mil canadianos que se encontravam entre os 45 e os 85 anos na época do recrutamento. Os investigadores concentraram-se em cerca de 23 mil participantes dos 50 mil disponíveis, sendo que todos estes foram sujeitos a uma entrevista de 90 minutos e participaram em avaliações tanto físicas como psicológicas.
Durante a investigação foi selecionado um conjunto de biomarcadores, moléculas biológicas encontradas no sangue ou outros fluídos corporais e tecidos que podem ser usadas para sinalizar uma condição ou doença, neste caso o envelhecimento, de modo a perceber em que ponto se encontrava cada participante. A albumina, creatinina, hemoglobina glicada (HbA1C), proteína C reativa, percentagem de linfócitos, volume médio de células, largura de distribuição de glóbulos vermelhos e contagem de glóbulos brancos foram alguns deles.
A idade média dos participantes foi de 59 anos, sendo que a maioria, 63%, relatou ter vivido pelo menos uma experiência adversa na sua infância. Os participantes que relataram experiências adversas nos seus períodos de infância mostraram uma tendência mais elevada para serem biologicamente mais velhos do que aqueles que não o fizeram. Os investigadores descobriram ainda que a ligação entre experiências adversas na infância e a idade biológica dos indivíduos era mais forte quando essas experiências assumiam formas mais graves de adversidade, como abuso físico e sexual.
As descobertas sugerem “que os danos no início da vida podem assumir muitas formas e podem levar a consequências para a saúde muitos anos depois”, explicou Verschoor à PsyPost. “O que nosso estudo mostra é que essas consequências se manifestam como perturbações em vários sistemas biológicos, que podem ser medidos a partir de biomarcadores no sangue”.
Outros aspetos tiveram também influência nos resultados obtidos: tabagismo e níveis mais reduzidos de escolaridade, por exemplo, foram associados a uma idade biológica mais avançada, sendo que a maioria dos indivíduos que viveram experiências adversas na sua infância eram também aqueles que mais se encontravam associados a este tipo de comportamentos. Assim, os resultados provaram poderem ser ambíguos. “O que o nosso estudo não mostra é se as mudanças biológicas que detetámos foram causadas pelos próprios eventos do início da vida, ou por outros eventos ou comportamentos de risco que aconteceram mais tarde na vida como consequência”, explicou Verschoor.
Os autores do estudo acreditam que pesquisas futuras que incluam dados longitudinais podem ajudar a compreender melhor os fatores que ligam estas experiências à idade biológica.